Consciência negra: um gesto simbólico
Em situação de temperatura e pressão normais, a adesão da Telefônica Vivo à Coalizão Empresarial para a Equidade Racial e de Gênero, movimento em parceria com o Instituto Ethos, o Centro de Estudos das Relações de Trabalho e Desigualdades (CEERT) e o Institute for Human Rights and Business (IHRB), teria passado desapercebida. Anunciado dia 27 de novembro, no final do período em que se comemora a Semana da Consciência Negra no Brasil, o posicionamento não seria mais do que parte das boas regras de compliance empresarial num país onde 55% da população, de acordo com a PNAD 2017 do IBGE, pertence às raças negra ou parda.
Mas não estamos em situação de situação de temperatura e pressão normais. O país elegeu, em 30 de outubro, um presidente da República, capitão da reserva, que louva o regime militar da ditadura, que comemorou a vitória com a Bíblia em uma mão e a Constituição na outra, mas não aceita a pluralidade nem o contraditório, que só entende família como a família formada por pai, mãe e filhos, que não gosta das minorias e acha normal mulher ganhar menos que o homem.
Mais: nomeou para o Ministério da Educação um fundamentalista, Ricardo Vélez Rodriguez, que quer criar “conselhos de ética” para zelar “pela reta educação moral dos alunos” e, como bem observou o colunista da Folha de S. Paulo Clovis Rossi, “tem todo o cheiro da polícia moral adotada no Irã (entre outros países muçulmanos, como a Arábia Saudita)”. Não bastasse, acha normal que o futuro presidente tenha acesso à prova do Enem para “opinar” e “censurar” questões, como as culturais e de gêneros.
No Ministério das Relações Exteriores, colocou o diplomata Ernesto Araujo, que considera que globalismo é a globalização econômica que passou a ser pilotada pelo marxismo cultural”. “É um sistema anti-humano e anticristão”, define ele. Araújo também diz que é preciso “ajudar o Brasil e o mundo a se libertarem da ideologia globalista”, que, segundo ele, é de esquerda.
Suas propostas, encampadas pelo filho do presidente eleito, o deputado eleito Eduardo Bolsonaro, que nesta semana visitou os Estados Unidos como chanceler informal, já começam a causar atritos. Transferência da embaixada de Telaviv para Jerusalém, que pode desgastar as relações com os países árabes, e tensionamento com a China, com repercussões na pauta de exportações brasileira do agronegócio. Sem falar que pode criar uma enorme tensão na região se decidir confrontar a Venezuela.
Neste cenário de insensatez e fundamentalismo, com representantes brasileiros batendo continência a representantes de Trump, incluindo o futuro primeiro mandatário, antes mesmo da sua posse, o gesto da Telefônica Vivo passa a ter um significado de cidadania. A adesão à causa da equidade racial é, em si, a defesa da democracia.