Conteúdo para gerar receita
Barcelona* – Durante a conferência que realizou no MWC 2017, o presidente da FCC, Ajit Pai, deu a entender que o órgão não vai interferir na fusão entre AT&T, segunda maior operadora de telecomunicações dos Estados Unidos, e a Time Warner, a maior produtora de conteúdo. Boa notícia para o setor de telecomunicações, que perdeu receita com a entrada das OTTs no território da voz e das mensagens e vê no conteúdo uma chance de recuperar espaço.
Ou, como explicou o CEO do grupo de Entretenimento da AT&T, John Stankey: “Novas empresas estão comprimindo os setores tradicionais. Fizeram no setor de transporte, no de serviços financeiros, no de entretenimento. Cinco anos atrás, apenas uma das cinco mais valiosas empresas do mundo era digital. Hoje, todas as cinco o são”, disse, durante o painel em que explicava porque a operadora investe cada vez mais em conteúdo.
Segundo Stankey, o vídeo responde por 60% do tráfego na rede da AT&T, e será 70% até 2020. Esta realidade exige que a empresa se reposicione, deixando de ser uma tele, para ser um negócio que una conteúdo e software. “Se uma operadora não tiver software, não tem negócio. O entretenimento é a água em nossos canos, e um bom software garante a entrega em qualquer plataforma. O entretenimento tem que ser embrulhado em um modelo de negócios baseado em software”, destacou.
Ele vê a infraestrutura se tornar uma commodity no futuro, o que a torna menos valiosa, mas não menos importante. “Se você não olhar para o negócio como algo multifacetado, estará morto. Não podemos ficar baseados apenas em conectividade”, defendeu.
Ameaças
Seu futuro colega de grupo, o CEO da Turner, John Martin, acredita na fusão como forma de ampliar as oportunidades para a empresa de entretenimento tanto quanto para a operadora. Em outro painel realizado no MWC, ele defendeu a compra como uma forma de ganhar agilidade.
“O que estamos fazendo [com a fusão] é investir em tecnologia para dar ao consumidor uma grande experiência. Estamos ansiosos para trabalhar com a AT&T porque a companhia é tão grande que vai multiplicar nossa capacidade de inovar”, disse.
Com o consumidor se tornando mais e mais móvel e dependente das telas dos celulares, a fusão também é vista como oportunidade para explorar novos formatos. “O mercado móvel é uma enorme oportunidade. Nos EUA, entre os jovens adultos, mais da metade do consumo em vídeo se dá no celular”, falou.
Adaptar-se a este novo tipo de consumo de conteúdo, não linear e móvel, exige um novo modo de encarar os negócios. A Turner vai reduzir a quantidade de propaganda veiculada em sua programação, atendendo a demandas dos usuários. “Com isso, esperamos aumentar a quantidade de assinantes a ponto de faturarmos mais”, afirmou Martin. Segundo ele, a produção de conteúdo na Turner já se tornou mobile first, ao menos nos canais mais importantes, como CNN e na cobertura esportiva.
“O crescimento de audiência que temos visto nos canais digitais é da ordem 50% ao ano”, disse. O executivo reconhece que esse caminho pode significar uma canibalização de produtos, retirando audiência da TV paga e passando para a internet, por exemplo. Mas ressalta ser um mal necessário. “Temos de nos canibalizar. Se nós não o fizermos com nossos produtos, então outras empresas os devorarão. O mix, definitivamente, vai mudar”, vaticinou.
Escala
A companhia francesa Vivendi é a maior produtora de conteúdo da Europa. Dona de Universal Music e dos estúdios Canal+ e da desenvolvedora de jogos Gameloft, tem em sua lista de “ativos” artistas famosos em todo o globo, joias geradoras de receita no mundo do entretenimento, como a cantora Rihanna, o rapper Drake, a franquia Bridget Jones, o game Asphalt.
Em 2016, comprou 25% da Telecom Italia, se tornando o maior acionista individual da operadora italiana. A aquisição aconteceu pouco depois de vender a brasileira GVT à Telefônica. “A fusão com a GVT falhou porque a tecnologia não andou lado a lado com o conteúdo”, observou em palestra o CEO da Vivendi, Arnaud de Puyfontaine, na terça-feira, 28.
Agora, a Vivendi espera conseguir aproveitar o avanço do ecossistema fixo e móvel para alavancar o consumo de seus produtos culturais. “Operadoras não podem mais se satisfazer com oferecer apenas conectividade, enquanto as empresas de conteúdo precisam de conectividade. Por isso investimos na Telecom Italia”, acrescentou. E onde não for possível comprar os “canos”, a Vivendi vai entrar como parceira das teles. A Telefónica, a Orange e a Free são exemplos de operadoras que vendem o acesso a conteúdos produzidos pela Vivendi.
O grande incentivo para a fusão entre conectividade e conteúdo acontecer é o ganho de escala. A visão de todos os executivos é de que o setor de telecomunicações não tem como sobreviver sem oferecer novos produtos, e que o setor audiovisual, já concentrado, exige agilidade dos players para se manter à frente da concorrência. O jeito de beneficiar a ambos seria a consolidação.
“Estamos deixando para trás um mundo em que operávamos em silos. Agora, com o consumidor no centro de tudo, precisamos ter informação sobre ele para competir com Snapchat ou Netflix. Para isso, precisamos ter escala, para distribuir o conteúdo a uma audiência muito maior. Trabalhar com uma operadora nos abre oportunidades”, conclui Puyfontaine.
*O jornalista viajou a Barcelona a convite da FS