Negros apostam em startups de inclusão e diversidade
Associadas à inovação e ao futuro do trabalho, nem sempre as startups demonstram, na prática, o compromisso com a diversidade. Pesquisa da Associação Brasileira de Startups (ABStartups), divulgada no final do ano passado, revela que é baixa ou inexistente a inclusão de mulheres, negros, LGBTQIA+, pessoas com deficiência e idosos no dia a dia dessas empresas.
Quando perguntadas se apoiam a diversidade, a maioria das startups (96,8%) respondeu positivamente, mas quando questionadas se a empresas possui algum processo seletivo voltado para a inclusão de grupos minoritários, 60,7% responderam negativamente. A ABStartups entrevistou 2,5 mil startups entre agosto e setembro de 2021.
Essa realidade, no entanto, tem mudado. Relatório do LinkedIn de 2021 mostra que 88% das companhias brasileiras preferem fazer negócios com empresas que tenham a diversidade e inclusão (D&I) como um pilar essencial.
No Brasil, apenas 25,1% dos empreendedores de startups são negros e pardos, segundo dados da Blackrocks. Se a população brasileira estivesse representada, esse número deveria ser, pelo menos, o dobro do registrado atualmente.
Mulher e preta
Startups que trabalham com o foco em D&I, no entanto, têm se multiplicado no Brasil. É o caso da VôContigo, plataforma especializada e exclusiva para o público 60+, que transporta e acompanha o idoso de forma segura e humanizada.
“A construção do conhecimento e de uma network foram muito importantes para mim. Quando eu comecei eu não tinha contato nenhum e isso é fundamental. A gente precisa de uma rede para empreender e se você é mulher e preta é mais desafiador ainda. Quando você olha para este mercado de startups a maioria é de homem e branco”, afirma Ivonete Ramos, fundadora e CEO da VôContigo.
A VôContigo está em fase inicial, começou a operar em 2020, em Cuiabá (MT) e região, mas a CEO tem planos de expansão para todo o Brasil, focando inicialmente nas regiões Sul e Sudeste.
“Hoje temos 36 clientes fixos, que pagam mensalidade para compromissos frequentes, como fisioterapia, pilates, hemodiálise, ou seja, que já têm uma rotina de atividades. Temos também aqueles que solicitam o transporte pontual, além de oferecermos o concierge, um acompanhamento a consultas médicas ou exames, quando necessário”, explica Ivonete.
A VôContigo trabalha com motoristas avaliados psicologicamente e a empatia com idosos é premissa básica. “O meu sonho é que as pessoas usem os nossos serviços também para passeios, o que não acontece hoje. A nossa demanda está muito restrita à saúde e o convívio social é essencial para um envelhecimento saudável”, reflete.
No momento, Ivonete Ramos está em negociação com investidores-anjo, visando a inserção de mais tecnologia na startup. “Eu pretendo captar R$ 400 mil numa primeira rodada agora em fevereiro. Dando tudo certo e eu conseguindo implantar o planejado para este ano, para 2023 eu pretendo ir para uma rodada maior e expandir o negócio para outras regiões”, prevê.
Troca para incluir
Inserir pessoas que vivem algum tipo de vulnerabilidade ou discriminação no mercado de trabalho é o propósito da startup Seja Troca, que hoje contabiliza inúmeras boas histórias de inclusão nas empresas.
“Fechamos 2021 com mais de 2 mil pessoas impactadas, o que para nós é um número muito simbólico e importante. Mesmo com graduação, certos grupos encontram barreiras para entrar no mercado de trabalho, como pessoas trans ou refugiados, que muitas vezes não têm acesso a um trabalho digno. Já fizemos muitas vagas operacionais, mas também muita mão de obra técnica. Estamos conseguindo incluir todos esses grupos”, comemora Tarso Otávio, CEO da Seja Troca.
A startup trabalha com uma equipe enxuta de cinco pessoas, além dos terceirizados, e tem um faturamento mensal em torno de R$ 50 mil, mas a expectativa para 2022 é dobrar esse valor até o fim do ano.
“Começamos com palestras, treinamentos, análise de dados de diversidade e definição de estratégias para as empresas com foco na D&I. Indicamos os profissionais para as vagas existentes e fazemos o acompanhamento dos contratados durante sete meses. Passamos também a trabalhar outros grupos, como refugiados, egressos do sistema prisional, enfim, uma gama variada de vulneráveis, mesmo que não seja em termos sociais, mas de preconceito”, afirma Tarso.
A jornada da Seja Troca não foi fácil, como a de tantas empresas iniciais, mas as exigências do mercado para a D&I têm ampliado o trabalho da startup. “Foi todo um processo, uma vivência até chegarmos aqui. Hoje chegamos a um produto digital sabendo qual o valor do que entregamos para o cliente, sabendo qual a dor que a gente resolve. Vivemos estruturas machistas, racistas e socialmente todos somos afetados por isso. Quando viramos uma plataforma, uma empresa de tecnologia de impacto social, entramos dentro de uma ‘caixinha’ e o diálogo ficou mais acessível”, analisa.
A Seja Troca, como a VôContigo, se prepara para uma rodada de captação de investimentos com foco em tecnologia. A ideia é investir em SaaS, para ampliar a ofertas de serviços. “A tecnologia está atrelada à escalabilidade que sempre quisemos ter, ou seja, o nosso impacto social será muito maior, pois estamos lidando com um problema social sistêmico, já que a desigualdade afeta milhões e milhões de brasileiros e a gente vê na tecnologia a possibilidade de escalar a nossa atuação”, projeta Tarso Otávio.
“Pretendemos abrir uma rodada para captação agora em fevereiro porque estamos num momento muito ímpar”, continua. “Estamos rodando os primeiros testes do novo sistema com algumas empresas e vamos ter os primeiros resultados no início de fevereiro, então, pretendendo rodar essa captação para começarmos a vender. Será uma rodada pré-Seed, pretendemos captar em torno de R$ 400 mil a R$ 500 mil”, conclui.