Nota Técnica da ANEEL indica como poderá ser a metodologia de composição de preço para a revisão do preço de referência. De Luca diz que podem haver críticas à metodologia, mas afirma que o valor pode reduzir os custos dos serviços de telecom.
* Marcos De Luca Fonseca
O setor de telecomunicações aguarda, ansiosamente, pelo regulamento que irá promover a revisão da Resolução Conjunta nº 04/14, de 16 de dezembro de 2014 da Anatel e Aneel, que aprovou o preço de referência para o compartilhamento de postes entre distribuidoras de energia elétrica e prestadoras de serviços de telecomunicações, a ser utilizado nos processos de resolução de conflitos, além de estabelecer regras para uso e ocupação dos Pontos de Fixação.
Como dispõe o art. 1º desta Resolução Conjunta, o valor de R$ 3,19 (três reais e dezenove centavos) é o preço de referência do Ponto de Fixação para o compartilhamento de postes entre distribuidoras de energia elétrica e prestadoras de serviços de telecomunicações, a ser utilizado nos processos de resolução de conflitos, referenciado à data de publicação desta Resolução. O valor atual, aplicado a correção pelo IGP-M (FGV), fica em torno de R$ 6,32 (seis reais e trinta e dois centavos)¹. Ou seja, bem inferior ao valor praticado atualmente pela livre pactuação de preço entre as distribuidoras elétricas e as prestadoras de telecomunicações, em seus respectivos contratos de compartilhamento de infraestrutura².
O art. 21 do anexo à Resolução Conjunta Aneel/Anatel/ANP nº 01/99 garante que os preços a serem cobrados, e demais condições comerciais entre as distribuidoras de energia e as prestadoras dos serviços de telecomunicações, devem ser pactuados livremente entre as partes, devendo assegurar a remuneração do custo alocado à infraestrutura compartilhada. Além disso, as distribuidoras de energia, devido ao fato da regulamentação atual permitir a retenção de, apenas, 40% (quarenta por cento) das receitas obtidas pelos contratos de compartilhamento³, não conseguem utilizar os valores cobrados para o gerenciamento do contrato de compartilhamento. Com isso, alegam que a Resolução Conjunta nº 04, da Anatel e Aneel, determina tão somente um preço de referência para os contratos de compartilhamento de infraestrutura, e aplicam preços para a utilização dos pontos de fixação acima dos valores determinados pela Resolução supracitada.
A infraestrutura de rede, por ser um recurso essencial e escasso para a prestação dos serviços de telecomunicações, é conceituado pela doutrina de essential facilities como um insumo em que é necessário que o Estado regulamente as relações intra e entre partes, por meio de uma “Metodologia para o Cálculo dos Valores Mínimos e Máximos de Referência para o Aluguel do Compartilhamento”. Evidente que o conceito da essential facilities doctrine é demasiadamente complexo, e o objetivo do presente artigo não é esgotar o debate de sua fundamentação.
No entanto, como profundamente analisado pelo estudo da EAESP-FGV, no contexto dos mercados brasileiros tal a doutrina recebe um destaque fundamental, uma vez que a maior parte da estrutura econômica do país deriva da influência do poder econômico nos mercados, seja por meio do Estado ou dos grandes grupos econômicos privados⁴. O mercado de compartilhamento de infraestrutura, devido às suas características de monopólio natural, justifica a necessidade de aplicação da teoria da essential facilities doctrine.
O direito ao compartilhamento de infraestrutura de rede para as prestadoras de serviços de telecomunicações está previsto no art. 73, da Lei Federal nº 9.472/1997 (Lei Geral de Telecomunicações), in verbis.
Art. 73. As prestadoras de serviços de telecomunicações de interesse coletivo terão direito à utilização de postes, dutos, condutos e servidões pertencentes ou controlados por prestadora de serviços de telecomunicações ou de outros serviços de interesse público, de forma não discriminatória e a preços e condições justos e razoáveis.
Parágrafo único. Caberá ao órgão regulador do cessionário dos meios a serem utilizados definir as condições para adequado atendimento do disposto no caput.
Além disso, o compartilhamento de infraestrutura é definido como cessão, a título oneroso, da capacidade excedente da infraestrutura. Ou seja, é um dever imposto ao detentor da infraestrutura, e o seu acesso só deve ser negado se justificado o motivo, nos termos do art. 3º, inciso II, da Lei Federal nº 13.116/2015 – que estabelece normas gerais para implantação e compartilhamento da infraestrutura de telecomunicações (Lei Geral de Infraestrutura de Telecomunicações).
Inclusive, analisando a natureza jurídica do compartilhamento de infraestrutura, ao discorrer sobre a concessão de serviço público associada à reversibilidade dos bens afetados ao serviço de concessão de energia, Alexandre Rosa Lopes⁵, em sua obra Compartilhamento dos Postes. Fundamentos Teóricos e Soluções Práticas, discorre que
A concessão do serviço de distribuição de energia elétrica habilita as distribuidoras a prestarem o serviço público e a explorarem a infraestrutura afetada ao serviço, como os postes de energia elétrica. Logo, a infraestrutura necessária à exploração do serviço não é de propriedade exclusiva da distribuidora, que somente detém a posse dos postes a título provisório, em razão do serviço público explorado⁶.
Como visto acima, o acesso ao compartilhamento de infraestrutura de rede além de ser essencial à prestação dos serviços de telecomunicações, tem na variável preço por ponto de fixação x acesso aos postes, um dos principais desafios para garantir a prestação dos serviços de telecomunicações à preço equilibrado, e com a devida segurança jurídica, seja para as operadoras ou para as distribuidoras de energia.
Pressionadas pelos seus respectivos setores regulados, tanto a Anatel quanto a Aneel desde 2018 vem debatendo propostas para a reformulação da Resolução Conjunta nº 04/14. Tais alterações, dentre outros temas (como a possibilidade de criação de um operador neutro de rede), resultariam em uma nova definição do preço dos pontos de fixação, e a possibilidade de um gestor para comercializar e fiscalizar, a utilização dos postes⁷.
Durante o ano de 2022, a Anatel, por meio da Consulta Pública nº 17⁸, obteve da sociedade e demais interessados as contribuições para o que seria o Regulamento de Compartilhamento de Postes entre Distribuidoras de Energia Elétrica e Prestadoras de Serviços de Telecomunicações. A Aneel, em 1 de dezembro de 2021, também abriu a Consulta Pública nº 73/2021, com objetivo de obter subsídios para a Avaliação de Impacto Regulatório – AIR da proposta de aprimoramentos da regulamentação relativa ao compartilhamento de infraestrutura entre os setores de distribuição de energia elétrica e de telecomunicações.
O assunto sempre esteve na ordem do dia para o setor de telecomunicações, com inúmeras manifestações, tanto das agências reguladoras, quanto de seus respectivos órgãos ministeriais, de que uma nova proposta de regulamentação estava “prestes a ser publicada”.
No entanto, de acordo com as recentes tramitações da proposta de revisão da regulamentação nas duas agências, o tema indica que poderá, finalmente, ser concluído. De acordo com informações da mídia especializada do setor de telecomunicações⁹, o processo de nova regulamentação foi sorteado para a relatoria do conselheiro Alexandre Freire, e a expectativa é que o processo seja votado rapidamente, uma vez que o conselheiro Moisés Moreira (que relatou a Consulta Pública nº 17/22) estará no Conselho Diretor da Anatel até o dia 26 de outubro.
Nota Técnica da Aneel sobre metodologia para a precificação
Acompanhando a retomada do tema na agenda dos setores de energia e telecomunicações, em 14 de setembro de 2023 a Aneel publicou a Nota Técnica nº 106/2023–STR/ANEEL, com uma Proposta de metodologia para Precificação dos
Pontos de Fixação nos postes de distribuição de energia elétrica no âmbito do processo de revisão da Resolução Conjunta nº 04/2014¹⁰.
Capex
O Capex referente aos postes de distribuição de energia elétrica compreende os
investimentos necessários para adquirir e instalar um poste novo, que podem variar de acordo com fatores como o tipo de poste utilizado (madeira, concreto, aço), a altura, a capacidade de carga e os requisitos regulatórios aplicáveis. Os outros custos estão relacionados à instalação, como a mão de obra, frete, montagem e equipamentos menores e materiais necessários.
De acordo com a Nota Técnica da Aneel, cada ativo (poste) é valorado, a preços atuais, por todos os gastos necessários para sua substituição por idêntico, similar ou equivalente que efetue os mesmos serviços e tenha a mesma capacidade do ativo existente. Sendo assim, o custo médio seria de R$ 2,07 (dois reais e sete centavos), por ponto de fixação.
Segundo a fundamentação da Aneel, este valor de Capex está compatível com o valor do poste disponibilizado pela distribuidora, considerando inclusive o nível de depreciação do ativo e se ele foi recebido em doação ou investido por meio de subsídio. Adicionalmente, essa forma de valoração considera níveis de eficiência em relação ao
custo de instalação do poste e custo dos componentes menores que o compõem. Por fim, respeita as características de custo dos ativos de cada área de concessão.
No entanto, não está evidente se a Aneel considerou, na composição deste cálculo, que as operadoras de telecomunicações, quando do processo de aprovação dos projetos de ocupação das posições nos postes, geralmente arcam com os custos de substituições dos postes – principalmente quando necessita de troca devido à sobrecarga de rede, ou à sua qualidade e segurança na utilização.
Opex
Primeiramente é salutar destacar que o ter Opex é utilizado para explicar os gastos operacionais de uma empresa, e, no caso em tela, são os custos necessários à gestão e à manutenção das infraestruturas de postes compartilhados com as prestadoras de telecomunicações. A figura abaixo exemplifica tais custos, e foi obtida pela Nota Técnica da Aneel em questão.
Figura 1 – Fluxograma do custo administrativo e operacional para o compartilhamento de infraestrutura
Como consta na própria Nota Técnica, para o cálculo do Opex são coletados os dados contábeis do ano anterior dos custos operacionais das distribuidoras de energia elétrica, aplicando os scores de eficiência obtidos pelo método de análise envoltória de dados (DEA, do inglês Data Envelopment Analysis), dividido pela eficiência de referência, parâmetros definidos pelo Submódulo 2.2 e 2.2 A do Proret (Custos Operacionais). Aplicando tais conceitos, a média do Opex é de R$ 1,34 (um real e trinta e quatro centavos), por ponto de fixação.
Atividades de censo e fiscalização da base de postes
Como explanado na Nota Técnica analisada, as atividades de censo e fiscalização desempenham um papel fundamental na garantia do correto uso e compartilhamento dos postes entre as empresas de telecomunicações e distribuidoras de energia elétrica. Essas ações visam obter uma visão abrangente da ocupação, identificar e corrigir irregularidades e assegurar a segurança e a eficiência do sistema como um todo. Os valores informados pela Aneel, neste documento, são:
Tabela 1 – Custos relacionados à fiscalização, censo e inadimplência no compartilhamento de infraestrutura entre distribuidoras de energia e prestadoras de telecomunicações, em R$
Preço final simulado
Por fim, a NOTA TÉCNICA Nº 106/2023/STR/ANEEL, de 14/09/2023, apresenta como simulação os parâmetros analisados abaixo:
Capex e Opex: englobaram informações de 8 e 13 distribuidoras de energia elétrica, respectivamente, além das informações recebidas por meio do Ofício Circular nº 1/2023-STD/STR/SMA/ANEEL.
Custos de fiscalização: obtidos das médias dos custos informados pelas distribuidoras de energia elétrica no Ofício acima mencionado.
Censo: foi obtido a partir da informação trazida pela distribuidora Copel na correspondência SRF-C/048/2023 de 23 de maio, dividido pelo número de pontos contratados.
Inadimplência: calculada considerando uma estimativa de 10% de inadimplência (média nos três anos anteriores à data de definição do preço e um percentual de reconhecimento de 50% por parte das distribuidoras).
A tabela 2 a seguir, apresenta o resumo do resultado das alternativas em termos de custos médios, máximos e mínimos para os componentes do preço do apoio, sendo considerados apenas os preços médios para os componentes: fiscalização, censo e inadimplência; e de forma exemplificativa o fator de utilização de 37,73%.
Tabela 2 – Preço Simulado
Considerações finais
Embora possa haver críticas consideráveis que devem ser feitas pelo fato de a Metodologia do Cálculo de Preço de Referência para o Compartilhamento de Infraestrutura incluir na sua composição parâmetros como custos de troca de poste (uma vez que as operadoras muitas vezes arcam com o custo de troca de poste quando da aprovação de novos projetos de ocupação dos postes), bem como o fato de ser incluído a perda de receitas das distribuidoras (seja pelo fato de existirem inadimplência ou redes que não estão legalizadas/aprovadas pela distribuidoras), é inegável que o valor de preço por ponto de fixação dos postes no valor de R$ 4,43 (quatro reais e quarenta e três centavos), poderá contribuir substancialmente, para a redução dos custos da prestação dos serviços de telecomunicações.
Em um possível cenário de prática de preços equilibrados e não abusivos, poderão resultar no aumento da segurança dos serviços de telecomunicações, com consequente regularização junto às distribuidoras de energia. Evidente que tal situação só ocorrerá se, de fato, tais preços forem seguidos pelas distribuidoras pois, do contrário, os valores irão continuar a não serem praticados de fato.
Outra variável que deve ser considerada é a possibilidade de permanecer a diferença considerável entre o preço pago pelas operadoras com contratos antigos, e que na maioria das vezes são as operadoras com Poder de Mercado Significativo (PMS)1 às distribuidoras elétricas, vis-à-vis os valores pagos pelas demais prestadoras de telecomunicações. Assim, a infraestrutura de rede ainda permanecerá como um diferencial competitivo considerável na composição de preços praticados no mercado influenciando, assim, em vantagens competitivas.
² De acordo com informações do mercado de telecomunicações, as distribuidoras de energia das regiões sul e sudeste do país tem praticado, em seus contratos com as prestadoras de telecomunicações para compartilhamento de infraestrutura, o valor de R$ 12,00 (doze reais) por ponto de fixação nos postes.
³ Os 60% (sessenta por cento) restantes obrigatoriamente devem ser destinados para a modicidade tarifária objeto de seu respectivo contrato de concessão do serviço público de energia.
⁵ Alexandre Rosa Lopes assessorou a Comissão de Resolução de Conflitos das Agências Reguladoras entre os anos de 2015-2019
⁶ LOPES, Alexandre Rosa. Compartilhamento dos Postes. Fundamentos Teóricos e Soluções Práticas. Editora Juruá. 2022. p. 58
⁷ Está em pauta a possibilidade de um terceiro ser o responsável por realizar a gestão e fiscalização dos postes, podendo, ou não, ser remunerado para tanto.
ARAÚJO, Maria Izabel Gomes Sant’Anna. Breve análise sobre a essential facilities doctrine. Disponível em https://dej.fgv.br/sites/default/files/arquivos/reflexoes_sobre_direito_e_economia_cap_11.pdf
FILHO, Calixto Salomão. Regulação da atividade econômica. Princípios e fundamentos jurídicos. 3ª edição. Ed. Quartier Latin. 2021.
LOPES, Alexandre Rosa. Compartilhamento dos Postes. Fundamentos Teóricos e Soluções Práticas. Editora Juruá. 2022.
Matriz legal
• Lei nº 8.987, de 13 de fevereiro de 1995;
• Lei nº 9.074, de 7 de julho de 1995;
• Lei nº 9.427, de 26 de dezembro de 1996;
• Lei nº 10.848, de 15 de março de 2004;
• Lei nº 13.116/15, de 20 de abril de 2015;
• Resolução Conjunta ANEEL/ANATEL/ANP nº 001, de 24 de dezembro de 1999;
• Resolução Conjunta nº 4, de 16 de dezembro de 2014 (Aneel e Anatel);
• Resolução Normativa ANEEL nº 1.000, de 7 de dezembro de 2021; e
• Nota Técnica Nº 106/2023/STR/ANEEL, de 14 de setembro de 2023.
* Marcos De Lucca Fonseca, Advogado, Perito Digital, Pós-Graduado em Direito Digital pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ) – ITS; Especialista em Copyright da Faculdade de Direito de Harvard em parceria. Bacharel em Direito pela Universidade Padre Anchieta; Bacharel em Relações Internacionais pela Universidade Estadual Paulista (UNESP); Trabalha no setor de Telecomunicações há 12 anos. Especialista em Regulação do Setor de Telecomunicações, sócio da MMIGLIO Advogados.
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