Facebook no STF: empresa critica multas aplicadas no Brasil
O Supremo Tribunal Federal (STF) segue, nesta quinta-feira, 29, com a análise sobre a constitucionalidade do Acordo de Assistência Judiciária-Penal entre os governos brasileiro e norte-americano (o Mutual Legal Assistance, MLAT, na sigla em inglês) como procedimento padrão para a solicitação de dados feitas por autoridades brasileiras a empresas com sede nos EUA.
Na primeira parte do julgamento, houve pronunciamento de representante do Facebook no STF – protocolado como interessado na ação – a favor do MLAT, já que a norma prevê que a solicitação de dados seja feita à sede da empresa, nos EUA, ao contrário de outras alternativas mais comumente praticadas pelo judiciário brasileiro, que acabam por cobrar escritórios instalados no Brasil .
“O Facebook Brasil e os seus funcionários têm sofrido consequências econômicas, multas diárias que, se somadas, alcançam centenas de milhões de reais, além de consequências penais, como ameaça de prisão de seus funcionários, nenhuma delas justificáveis, do nosso ponto de vista”, afirmou o advogado Fernando Dantas Motta Neustein, representando o Facebook no STF.
De acordo com Motta, o Facebook Brasil não é o controlador jurídico de dados e não tem acesso aos detalhes do conteúdo da comunicação dos usuários dessas das redes [incluindo Instagram e WhatsApp], e sim tem como objeto principal a comercialização de anúncios no país.
“Quem tem acesso ao conteúdo das comunicações e os dados de usuários é a empresa Meta Platforms Inc, que está sediada nos Estados Unidos”, explica Motta.
Cooperação entre Facebook e Justiça
A defesa da empresa também destacou que houve a criação de um sistema de solicitação online para as autoridades, por meio da própria rede social, na qual foram processados 47 mil pedidos entre janeiro de 2018 e dezembro de 2021.
“O fornecimento de dados se dá de forma direta, intensa e diária, com excelência. Essa ação visa ver reconhecida oficialmente a constitucionalidade [do MLAT] e impor a observância obrigatória pelas autoridades judiciárias brasileiras nas circunstâncias como essas, em que ainda que haja uma subsidiária no Brasil de empresa estrangeira seja a empresa estrangeira a detentora dos dados e do conteúdo das comunicações”, concluiu o advogado.
Entenda a ação
O texto do MLAT define o Ministério da Justiça como “Autoridade Central” nas solicitações de dados a serem feitas pelo Brasil e coloca o Procurador-Geral nos EUA “ou pessoa por ele designada” como destinatário dos pedidos.
O acordo prevê que “o Estado Requerido (Brasil ou EUA) pode fornecer, mesmo que não disponíveis ao público, cópias de quaisquer registros, incluindo documentos ou informações que estejam sob a guarda de autoridades naquele Estado, na mesma medida e nas mesmas condições em que estariam disponíveis às suas próprias autoridades policiais, judiciais ou do Ministério Público”.
Ao validar o acordo como guia nas solicitações de dados, os processos estariam considerando as possibilidades de negativa de acesso previstas no texto, que são quando:
- a solicitação referir-se a delito previsto na legislação militar, sem contudo constituir crime comum;
- o atendimento à solicitação prejudicar a segurança ou interesses essenciais semelhantes do Estado Requerido; ou
- a solicitação não for feita de conformidade com o Acordo (que exige, entre outros pontos, declaração detalhada da finalidade, sempre destinadas a matéria de investigação, inquérito, ação penal, prevenção de crimes e processos relacionados a delitos de natureza criminal)
O tema está em debate no âmbito da Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC) 51, ajuizada pela Federação das Associações das Empresas de Tecnologia da Informação (Assespro Nacional), com objetivo de declarar a constitucionalidade do Decreto 3.810/2001, que promulgou o MLAT e evitar que os pedidos de informações ocorram de formas diversas e que, na visão da entidade, oneram as empresas.
A associação cita que o MLAT não tem sido seguido pelas autoridades judiciais “por entenderem que essas normas não constituem a via processual cabível”, mas que o acordo está em conformidade com o que prevê o Marco Civil da Internet (MCI) pois ele “ordena que os princípios por ele estabelecidos não excluem outros previstos no ordenamento jurídico ou em tratados e acordos internacionais”.
Nesta quarta-feira, 28, a Advocacia-Geral da União (AGU) se manifestou no sentido de dar ao MLAT um caráter “complementar”, ou seja, não seria adotado como padrão, prevalecendo outras regras do ordenamento brasileiro, como o Marco Civil da Internet.
Julgamento
Na sessão desta quinta-feira, 29, o relator da ação, ministro Gilmar Mendes, apresentou parecer que segue o mesmo sentido defendido pela AGU. O voto do magistrado foi para declarar a constitucionalidade do acordo internacional “sem prejuízo da possibilidade de solicitação direta de dados e comunicações eletrônicas” feita pelas autoridades nacionais a empresas de tecnologia nas hipóteses já previstas no artigo 11 do Marco Civil da Internet (MCI) e do Artigo 18 da Convenção de Budapeste.
O artigo 11 do Marco Civil da Internet diz que “em qualquer operação de coleta, armazenamento, guarda e tratamento de registros, de dados pessoais ou de comunicações por provedores de conexão e de aplicações de internet em que pelo menos um desses atos ocorra em território nacional [ou ainda pelo menos um dos terminais esteja localizado no Brasil], deverão ser obrigatoriamente respeitados a legislação brasileira e os direitos à privacidade, à proteção dos dados pessoais e ao sigilo das comunicações privadas e dos registros”.
O mesmo dispositivo do MCI cita que a solicitação direta pode ocorrer “mesmo que as atividades sejam realizadas por pessoa jurídica sediada no exterior, desde que oferte serviço ao público brasileiro ou pelo menos uma integrante do mesmo grupo econômico possua estabelecimento no Brasil”.
Além disso, o artigo também estabelece que “os provedores de conexão e de aplicações de internet deverão prestar, na forma da regulamentação, informações que permitam a verificação quanto ao cumprimento da legislação brasileira referente à coleta, à guarda, ao armazenamento ou ao tratamento de dados, bem como quanto ao respeito à privacidade e ao sigilo de comunicações”.
A Convenção de Budapeste, por sua vez, prevê que os países devem regulamentar leis que permitam suas autoridades “ordenar a um fornecedor de serviços que preste serviços em seu território, que comunique os dados na sua posse ou sob seu controle, relativos aos assinantes”.
A votação do relatório está prevista para a próxima semana.