Gallitto: Reserva de espectro para indústrias custaria caro aos usuários móveis no Brasil
Por Lucas Gallitto *
A era do 5G chegou. Com 157 redes comerciais em 62 países, 1 o 5G é hoje uma realidade global e falta pouco para ser a vez do Brasil. Como uma nova geração tecnológica, o 5G fará todas as coisas que o 4G pode fazer – de forma mais rápida e melhor. Mas o 5G é mais do que apenas um simples upgrade. Velocidade, latência, capacidade, flexibilidade e eficiência energética superiores darão suporte a uma infinidade de novos casos de uso que estarão no centro da Quarta Revolução Industrial.
Como resultado, cresce o interesse de grandes indústrias como as de manufatura, bens de produção e energia em implantar suas próprias redes privadas, incluindo em faixas destinadas ao serviço móvel pessoal. Os reguladores, portanto, enfrentam o árduo desafio de decidir quem tem acesso à radiofrequência, enquanto as reservas de espectro para indústrias surgem como uma possibilidade.
No Brasil, o tema não é novo, já que faixas baixas em 250 MHz já são utilizadas pelo agronegócio. Contudo, a Consulta Pública N. 30 de 2021 se mostrou o primeiro passo nesta direção em faixas essenciais ao desenvolvimento do serviço móvel – ao considerar parte do espectro em 3.5 GHz para estações de serviços terrestres de baixa potência.
Contudo, seria esse um uso eficiente desse recurso valioso? Reservas de espectro significariam que as operadoras móveis e, consequentemente, seus usuários – físicos e corporativos – teriam acesso a menos espectro para o 5G. Isso significa que os serviços de quinta geração poderiam ficam extremamente comprometidos.
Até 2030, o setor móvel precisará, em média, de 2 GHz de espectro em faixas médias para atender aos requisitos de velocidade de dados da União Internacional de Telecomunicações (UIT) da ONU. Conseguir isso também inimizará o impacto ambiental e reduzirá os custos do 5G, de acordo com um estudo global de 36 cidades realizado pela consultoria Coleago e comissionado pela GSMA.
O estudo mostra que os reguladores devem licenciar espectro para as operadoras móveis em faixas como as de 3,5 GHz, 4,8 GHz e 6 GHz até 2030. Sem o espectro adicional, será impossível desabrochar todo o potencial do 5G na maior parte dos casos. Em outros, o número de antenas e estações radio-base necessário levará a maiores emissões de carbono e preços mais altos ao usuário final.
Tais possíveis reservas também criam escassez forçada de espectro nos leilões de radiofrequência, o que pode resultar no pagamento de preços muito mais altos pelos interessados. Altos preços de espectro limitam investimentos e, consequentemente, dificultam a expansão de cobertura e levam a velocidades mais baixas.
Outra preocupação central é que o precioso espectro móvel, se reservado para indústrias, pode ser operado de forma ineficiente. Mostra-se improvável que o espectro seja utilizado fora do número relativamente pequeno de locais onde as indústrias têm interesse em construir uma rede privada (por exemplo, em fábricas e aeroportos).
Isso significa que o espectro para aplicações 5G seria subutilizado em áreas onde há grande demanda por serviços móveis. Enquanto as operadoras são capazes de prover uma gama de serviços numa mesma radiofrequência, as indústrias são capazes tão e somente de usar para seus serviços específicos, sem preocupações e incentivos para expansão da conectividade ou da multiplicidade do uso de uma subfaixa.
Por último, também há desafios técnicos a se considerar. A coexistência de muitas redes móveis independentes na mesma faixa ou em faixas adjacentes levanta uma série de problemas de interferência graves. Por exemplo, a ausência de sincronismo em redes TDD limita serviços que se encontram a até 60 km de distância.
Qual seria, então, a alternativa para garantir o desenvolvimento dos serviços moveis enquanto as necessidades das indústrias também são atendidas? As operadoras de telefonia móvel já atendem às necessidades de uma ampla variedade de setores por meio de compartilhamento e podem fornecer redes privadas com espectro dedicado, se necessário. Caso as indústrias prefiram usar um provedor alternativo, as operadoras podem, também, sublocar porções de espectro. Todas essas modalidades são abarcadas pela regulamentação brasileira.
Ou seja, as indústrias podem recorrer a acordos comerciais que viabilizam o uso geográfico limitado ou compartilhado do espectro, enquanto as operadoras continuam promovendo aumento de cobertura e qualidade para seus clientes físicos e corporativos.
Para tal, é vital que os reguladores ofereçam suporte às necessidades das indústrias, garantindo que possam obter a conectividade de que precisam para dar suporte a novos casos de uso. É igualmente vital que possam fazer isso sem afetar negativamente o futuro do 5G. Proceder com cautela e consultar as partes interessadas para encontrar uma abordagem que possa atender a todos é de extrema importância quando um valor econômico potencial de USD 421 bilhões 3 está em jogo na América Latina.
*Lucas Gallitto é Head of Latin America, GSMA.