Mercado secundário de espectro não deu certo em nenhum país

Kalpak Gude, presidente da Dynamic Spectrum Alliance, não acredita no sucesso de concessão perpétua de espectro e pede o não licenciamento, ou regulação leve, sobre uma parte maior das frequências usadas no mundo. A entidade, que tem como membros Google, Facebook e Microsoft, defende o uso de tecnologias que permitam a ocupação automatizada das bandas, diminuindo as faixas de uso exclusivo.
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Kalpak Gude, presidente da Dynamic Spectrum Alliance

Ao contrário do que prega a maioria das operadoras e governos mundo afora, o espectro não precisa ser visto como um recurso escasso. Novas tecnologias e formas de encarar o preenchimento das frequências batem à nossa porta, e são a grande aposta para reduzir o peso regulatório sobre a ocupação.

É o que defende a Dynamic Spectrum Alliance (DSA), uma entidade com apoio apenas da inglesa Sky entre operadoras, mas que tem entre seus integrantes empresas altamente inovadoras, como Google, Facebook, Microsoft, além de inúmeros institutos de pesquisa ligados à comunidade acadêmica.

A visão da entidade é que a banda larga do futuro pode alcançar velocidades e capacidades ainda inimagináveis, se for usada com tecnologias de alocação dinâmica, capazes de identificar sombras e preenchê-las automaticamente. A DSA defende baixa regulamentação sobre o espectro como forma de otimizar seu uso, e se mostra contrária a licitações que entregam bandas para um só operador controlar.

Por isso mesmo, Kalpak Gude, presidente da DSA desde novembro, vê com cautela parte do PLC 79 no Brasil, que prevê a concessão perpétua de espetro a operadoras móveis e de satélite, mesmo que a título oneroso. Para ele, essa abordagem “nada faz para encorajar o maximização do uso do espectro para a entrega de bada larga”. Além disso, ele duvida que um mercado secundário de espectro seja eficiente: “em nenhum país isso deu certo”. Leia, a seguir, a conversa que Gude teve com o Tele.Síntese.

Tele.Síntese – O espectro é um recurso escasso, como muitos defendem?
Kalpak Gude, presidente da DSA – Em termos reais, o espectro não é escasso. A maior parcela dele não é usada na maior parte do tempo, na maioria dos lugares. O que historicamente tornou o espectro escasso foram limitações tecnológicas que pudessem permitir o uso dinâmico do espectro, além de estruturas regulatórias e de licenciamento que sempre privilegiaram o uso exclusivista e estático do acesso ao recurso.

A tecnologia pode, portanto, atuar como um multiplicador do espectro?
Gude – Sim, a tecnologia se desenvolveu de tal forma que o uso de bancos de dados permite identificar a localização precisa de antenas ou de áreas de serviços protegidas, que podem levar a um uso oportuno do espectro, ao mesmo tempo que garante os serviços das incumbentes [naquele espectro].

Estamos presenciando o desenvolvimento de sistemas que usam espectro licenciado e não-licenciado de forma simultânea. O WiFi corre risco de ser licenciado um dia? Padrões, como LTE-U, devem se tornar comuns em todo o mundo e sofrer regulação?
Gude – O ecossistema WiFi, e o regime não licenciado a que está submetido, é tão importante hoje em dia que não tem como desaparecer. Na verdade, é mais provável que frequências licenciadas em uso que não possam ser limpas [para ser destinadas a operadoras] e que altas frequências com características de baixa propagação se tornem não licenciadas ou passem por uma regulação leve, que vai levar à inovação e a um uso muito mais eficiente desse espectro. Os serviços WiFi terão um papel crítico e cada vez mais importante daqui para a frente. As operadoras móveis vão se beneficiar disso, e também os consumidores.

Nos Estados Unidos acaba de acontecer um leilão, em que a procura ficou muito abaixo do esperado. Que conclusão tirar disso?
Gude – Espectro é ainda fundamental para a entrega de banda larga, e vai continuar a ser. A demanda por mais consumo de dados e por mais velocidade vai continuar. O modelo de negócio das operadoras, no entanto, está mudando, deixando de ser feito por contagem de assinantes e elevação do ARPU (receita média por usuário) para um achatamento de ambos. Continuar comprando espectro por bilhões de dólares não pode mais ser a única forma de ampliar o acesso. O uso de fatias não licenciadas ou pouco licenciadas, junto com a confiabilidade do WiFi, vai ajudar as operadoras a gerir seu Capex (investimentos) e definir onde gastar de forma mais adequada. Essas mudanças no mercado vão ampliar mais e mais o investimento certeiro em espectro não licenciado ou pouco regulado, que será usado lado a lado com as faixas licenciadas para entregar mais velocidade e banda aos consumidores.

Como seria a regulação perfeita, a seu ver?
Gude – Espectro, especialmente aquele usado para a entrega de serviços de banda larga, é um ativo muito valioso. Seu valor para um país não está relacionado ao preço pago em um leilão, mas a como se chega em uma banda larga que ajude a educar, a entregar serviços de saúde, e a construir uma via expressa de informacional que faça a economia crescer. A “regulação perfeita” seria aquela que privilegiasse ao máximos o uso do espectro com banda larga, em vez daquela que privilegiasse a receita ou o controle exclusivo. No passado havia uma crença de que o espectro licenciado era o mais valioso porque o controle sobre ele seria também um incentivo para o investimento que permitisse melhor qualidade de serviço. O caso do WiFi demonstrou, no entanto, que o modelo licenciado não é o único caminho de sucesso e do uso. Na verdade, no futuro provavelmente veremos mais valor extraído de espectro não licenciado do que de licenciado.

Espectro não licenciado ou com baixa regulação, pilares da indústria, suplantaram a regulação tradicional. O mercado criado possibilitou uma tremenda inovação e altos investimentos. A tecnologia vai continuar a trabalhar isso para melhorar o custo por uso desse espectro, lado a lado com as bandas licenciadas. O acesso dinâmico permitirá um uso mais oportuno pela operadora, que poderá introduzir novos serviços com mais agilidade. Muitos países já estabeleceram ou vão estabelecer uma alocação dinâmica de espectro para usar áreas de sombra em bandas de TV. A FCC [agência que regula as telecomunicações nos Estados Unidos] já decidiu que os serviços públicos de rádio vão usar alocação dinâmica, protegendo o uso dessas bandas pelos serviços já instalados, mas permitindo uma utilização não licenciada sobre as mesmas frequências. Essa abordagem vai melhorar a utilização ao permitir um uso até então impensável. A criação deste “novo” espectro será fundamental para a entrega dos benefícios sociais da banda larga móvel.

O espectro será mais importante que nunca na 5G?
Gude – Ainda não está claro o que exatamente será a 5G e que serviços reunirá. A questão mais sensível é quão importante será o espectro nas próximas redes móveis. Essas redes vão necessariamente reunir uma ampla gama de tecnologias e operadoras: operadoras usando espectro licenciado, operadoras usando não licenciado, além de satélites e drones levando conectividade a todo canto, para pessoas e coisas. Ainda é impossível saber quanto espectro a 5G precisará, mas já ficou claro que a melhor forma de usar o recurso é permitido a alocação dinâmica.

Quais as bandas que devem ser fundamentais no futuro próximo?
Gude – Para todas as operadoras, não apenas as móveis, todas as bandas – baixa, média e alta. Serão todas usadas para oferta de serviços em áreas urbanas e rurais. A banda baixa é fundamental para cobertura de amplos territórios. A média, para penetrar em prédios nas cidades, mas com uma cobertura menos extensa. E finalmente a alta frequência será vital em áreas muito densas em que seja importante um transporte rápido em curtas distâncias.

No Brasil está-se discutindo uma nova legislação que altera o licenciamento das frequências. Entre as mudanças, há a possibilidade de a cessão ser renovável sem necessidade de novo leilão, por exemplo. O senhor conhece esta proposta? Como ela se posiciona em comparação com as práticas internacionais?
Gude –
Essa abordagem parece apenas ser capaz de elevar o preço da primeira licitação, mas nada faz para encorajar o maximização do uso do espectro para a entrega de banda larga. Embora alguns possam defender que os ganhadores do leilão será incentivados a revender ou locar fatias não usadas em mercados secundários, em nenhum país isso deu certo. Além disso, ao contrário das técnicas de acesso dinâmico, abordagens estáticas sempre deixaram o espectro subutilizado, sobrando oportunidades de entrega de banda larga pelo caminho.

Como o Brasil é visto internacionalmente quanto às práticas regulatórias sobre espectro?
Gude – O Brasil é um líder global em espectro e uso de redes sem fio tão importante que suas decisões regulatórias são sempre observadas de perto, tanto na região, como em todo o mundo. O sucesso ou fracasso de suas abordagens regulatórias serão medidas quase que exclusivamente pela qualidade dos serviços entregues aos cidadãos, e se as exigências de conectividade e capacidade da banda larga serão preenchidas. Isso posto, é difícil ver como atender essas exigências criando novos jardins murados (walled gardens) com regimes de acesso exclusivistas, construídos unicamente em torno de estruturas regulatórias. O acesso dinâmico precisa ser uma diretriz para abrir o espectro, enquanto o uso não ou pouco licenciado vai maximizar a utilização até o último Hertz.

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Rafael Bucco

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