O Estado não vai arcar com a insustentabilidade da concessão, avisa Anatel

Para o presidente da Anatel, Leonardo de Morais e para o superintendente de Competição Abrãao Balbino, os prejuízos que existiriam na concessão de telefonia fixa não podem ser considerados para abater do valor que as operadoras devem ao Estado no ato da migração.

No dia seguinte à aprovação da Lei 13.879, que estabelece um novo marco para as telecomunicações, a Anatel já estava com o processo de proposta de regulamento do cálculo do valor da migração da concessão pública para o serviço privado de telefonia fixa- formatado e encaminhado para deliberação do conselho diretor, cujo relator sorteado foi Emmanoel Campelo.

O valor dessa migração (que inclui a nova definição dos bens reversíveis à União e dos saldos das obrigações existentes na concessão que serão convertidas em obrigações de banda larga) é que será definido pelo regulamento da Anatel, para que as empresas façam as contas e decidam se vão mudar seus contratos ou não.

E, para a agência, nessa conta não deverá ser considerada uma das principais reivindicações das concessionárias, de que sejam usados os recursos do Fust, ou descontados dos investimentos futuros os prejuízos que já ocorreriam na concessão de telefonia fixa. Para a Anatel, a insustentabilidade da concessão não entra na conta da migração.

E o presidente da Anatel, Leonardo de Morais explicou o porquê:

” O modelo de regulação econômica das telecomunicações é de “price cap” , muito diferente da técnica de regulação por taxa de retorno, que é recorrentemente aplicada em outros setores de infraestrutura, como o setor elétrico. A gente discorda quando as empresas pleiteiem esse tipo de regulação e também quando aparecem nas razões de decidir na interpretação do TCU dos bens reversíveis”.

O superintendente de Competição, Abrão Balbino, também em conversa com o Tele.Síntese, completa:

“Se as empresas alegam que o Estado tem que arcar com a insustentabilidade, o Estado  também teria que proibir o lucro econômico”.

Os dois reconhecem que, desde 2015 tanto a Anatel como o Ministério das Comunicações admitiram que havia uma “tendência” de insustentabilidade da telefonia fixa, mas argumentam, que, a partir desse diagnóstico, foram tomadas medidas para resolver o problema.  A aprovação da lei é o seu resultado.

Para Morais, a nova lei traz a segurança jurídica necessária para resolver a questão. Ele completa: ” a lei veio para garantir segurança jurídica da sustentabilidade, para que tenhamos um novo equilíbrio, e, para isso, é necessário que o poder Concedente e concessionária cheguem ao valor justo, caso contrário, o contrato de concessão não será alterado”, afirma

Ou seja, a hipótese de as concessionárias, no final, não quererem migrar, não está descartada pela Anatel.

Pode acontecer de não haver a migração. Concessão e competição são como água e óleo. Não se misturam. O serviço objeto da concessão começou a sentir a competição por diversos outros serviços, dele mesmo e dele com outros serviços. E, se  tivéssemos que aumentar o valor da tarifa para garantir a sustentabilidade dessa concessão, ela perderia a atratividade. A lei possibilitou uma nova forma de sair do impasse, criando mais valor para a sociedade, afirmou Morais

-A sustentabilidade é um conceito regulatório fruto do setor. E o equilíbrio do contrato é fruto da relação do Estado e a Concessionária. São coisas sem vasos comunicantes. Por hipótese, o Estado não poderia nunca fazer um encontro de contas quando há  um desequilíbrio contratual  em seu favor e uma insustentabilidade em favor da empresa, completou Balbino.

Conforme Balbino, o cálculo do valor do serviço será feito (e assim da possível “insustentabilidade” da concessão, se for encontrado VPL negativo) a partir da data da aprovação da lei para até o ano de 2025. Não antes.

Bens Reversíveis e TCU

Mas, afinal, qual o impacto da último acórdão do TCU sobre os bens reversíveis, que mantém uma visão  patrimonialista dos bens e determina a Anatel apurar a lista desses bens anterior à privatização.

Segundo Leonardo de Morais, as  novas determinações do Tribunal serão cumpridas.Mas ele acredita que, à luz da nova legislação, o TCU irá rever suas posições no momento da migração.

O presidente da Anatel observa que, entre a decisão do tribunal de 2015 para a deste ano, a agência avançou muito. Em 2015, apenas uma lista de bens reversíveis havia sido analisada pela agência. Em 2019, tinham sido analisadas 65 Relações de Bens Reversíveis (RBS), faltando apenas as de 2018, que estão em processo de avaliação. Entre 2016 e 2018, assinalou ele, a Anatel fez ainda 153 ações de fiscalização para apuração desse tema.

O problema mais recente, após a recente decisão do Tribunal, é saber o que fazer com o dinheiro dos bens que eram reversíveis, mas que a Anatel entendeu, pelo novo conceito adotado, que eles não são mais reversíveis e, por isso, poderiam ser vendidos?

Essa é a pergunta que está para ser respondida pelo Conselho Diretor. A área técnica da Anatel acha que não pode mais adotar o princípio implementado este ano, que autorizou a venda de quatro terrenos baldios das operadoras e liberou o dinheiro para as empresas usarem livremente.

No entender dos técnicos, a recente decisão do TCU determina que, mesmo para bens não reversíveis,se vendidos, o dinheiro tem que ser depositado em uma conta vinculada à concessão, e, conforme decisão da Anatel, na época do ex-conselheiro Rodrigo Zerbone, o dinheiro não poderá ser gasto, por exemplo, com o salário de funcionários, apenas na aquisição de outro bem reversível.

O ex-conselheiro Aníbal Diniz discordou desta interpretação, mas o processo está agora com Emmanoel Campelo. “Á luz do último acórdão do TCU e em prevalecendo esse entendimento do TCU, poderá haver um saldo, fruto de desvinculação de bens não reinvestidos na concessão. Esse valor também terá que entrar no saldo da concessão”, admitiu Balbino.

Ou seja, ainda há muito a ser feito antes de se aferir quanto e quando haverá novos recursos para a banda larga.

 

 

 

 

 

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Miriam Aquino

Jornalista há mais de 30 anos, é diretora da Momento Editorial e responsável pela sucursal de Brasília. Especializou-se nas áreas de telecomunicações e de Tecnologia da Informação, e tem ampla experiência no acompanhamento de políticas públicas e dos assuntos regulatórios.
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